"O Brasil está entre os dez países com as taxas mais elevadas de prematuridade. "
O nascimento de um bebê prematuro interrompe o curso esperado do ciclo da gravidez, influencia no processo psíquico da construção da maternidade e impõe à mulher um tempo mais curto do que se esperava para ser mãe. O momento torna-se estressante pela antecipação do parto e separação brusca do seu bebê, privação dos cuidados parentais e preocupação da mãe com a sobrevivência do recém-nascido em ambiente hospitalar, traduzindo-se em uma vivência de crise, tanto para os pais e familiares quanto para a equipe de saúde.
O Brasil está entre os dez países com as taxas mais elevadas de prematuridade. Mais de 12% dos nascimentos acontecem antes de a gestação completar 37 semanas. Isso significa que 340 mil bebês nascem prematuros todo ano, o equivalente a 931 por dia ou a 6 prematuros a cada 10 minutos, segundo o Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (Fundação Oswaldo Cruz, 2018). A ocorrência de partos prematuros e a magnitude desse fenômeno no índice de mortalidade infantil constituem um problema de saúde pública. Os fatores maternos associados à prematuridade são de origem multifatorial, podendo inclusive variar entre fatores sociodemográficos.
A prematuridade está frequentemente associada à hospitalização em UTIN (Unidade de Tratamento Intensivo Neonatal), devido aos problemas de saúde que o prematuro pode apresentar. Isso repercute, de maneira especial, na interação entre pais e seus bebês, caracterizando um período complicado e angustiante, pois o convívio e os cuidados iniciais que poderiam ocorrer entre eles de maneira natural são dificultados pelo ambiente e pelos procedimentos de que o bebê necessita durante a internação.
Portanto, a permanência do bebê em uma UTIN impede a mãe de oferecer os primeiros cuidados com o recém-nascido, impõe horários de visitas e regulamentações de como se aproximar do bebê. Este afastamento necessário para a sobrevivência do filho desorganiza a dinâmica inicial da díade mãe-bebê e faz com que a genitora se sinta impedida de acolhê-lo como mãe, evento que pode influenciar na construção do vínculo, tornando-se potencial gerador de estresse materno no período pós-parto.
O estresse é definido como uma reação do organismo, com componentes físicos e/ou psicológicos, causado pelas alterações psicofisiológicas que ocorrem quando a pessoa se confronta com uma situação que, de um modo ou de outro, desestabiliza a homeostase do organismo.
O estresse, de modo geral, é caracterizado pelo processo no qual a pessoa percebe e responde a eventos que considera prejudicial. A vivência do estresse dependerá tanto do evento estressor quanto da avaliação cognitiva que a pessoa faz da situação decorrente, em parte, de fatores que esta possui, tais como o suporte social, crenças existenciais e estratégias psicológicas.
"Esta conexão com algo maior corresponde à espiritualidade e têm alcançado destaque na literatura devido suas implicações benéficas no auxílio do enfrentamento em situações de estresse."
Aqueles que compreendem a sua situação pessoal, influenciados pela busca de significados coerentes com o propósito e o sentido de vida com base em conexões com algo maior, com frequência são afetados por emoções positivas. Esta conexão com algo maior corresponde à espiritualidade e têm alcançado destaque na literatura devido suas implicações benéficas no auxílio do enfrentamento em situações de estresse. Tendência que aumentou o número de pesquisas relacionadas à influência da espiritualidade no comportamento humano e na saúde.
A pesquisadora Anete Roese (2011) compreende a espiritualidade como elemento inerente ao ser humano, caracterizado pela vivência dos valores mais profundos. É a manifestação da essência, na qual humano e divino são uma única matéria. A principal função da dimensão espiritual acontece por meio da transcendência, que seria a capacidade de levar o ser humano a ir além de si, ou seja, buscar um vínculo com ele mesmo, com os outros seres humanos e com o mundo.
Nesse sentido, a espiritualidade é compreendida como uma função psíquica proveniente da natureza do homem, em um processo dinâmico da relação com o mundo interno/externo por intermédio da vivência simbólica do sagrado.
A fim de entender o significado da dimensão espiritual como mediadora emocional do estresse de mães de bebês prematuros na UTIN, foi realizado um estudo com a participação de 12 mães cujos bebês nascidos prematuros estavam hospitalizados na UTI Neonatal do Hospital da Criança e Maternidade (HCM) de São José do Rio Preto, devido à prematuridade, no período de agosto a novembro de 2017.
A pesquisa também procurou avaliar o estresse de mães de bebês prematuros na UTIN, identificar a qualidade da satisfação de bem-estar espiritual e avaliar o significado da dimensão espiritual como estratégia de enfrentamento.
Resultados e discussão
Além de dados, como a escolaridade e estado civil das mães, o estudo também observou fatores de estresse, como o impacto do ambiente hospitalar. A pesquisa revelou que 33% das mães não consideravam estressantes os sons e imagens que ocorrem dentro da UTIN.
Heck et al. (2016) buscou compreender os sentimentos maternos vivenciados nas diferentes etapas do método canguru, modelo de assistência pré-natal que integra estratégias de intervenção biopsicossocial a partir do contato do bebê, pele a pele, na posição vertical, junto ao peito dos pais ou de outros familiares, com o objetivo de promover de forma gradual o desenvolvimento do bebê prematuro. A primeira etapa do método corresponde a hospitalização em UTIN, e o autor identificou que o sentimento de estresse materno pode ser minimizado pela forma como a equipe acolhe a mãe. Abordagens humanizadas, como conversar sobre o estado de saúde do bebê e explicar sobre os procedimentos realizados, podem tornar a vivência na UTIN menos estressante e auxiliar a mãe a se tornar ciente da necessidade da hospitalização do bebê.
A pesquisa “Vivências de mães e bebês prematuros durante a internação neonatal”, realizada no Rio Grande do Sul, em 2017, enfatiza que os sentimentos vivenciados pelas mães durante a hospitalização do bebê relacionam-se ao fato de que elas precisam se adaptar à imagem do bebê real para dar início à interação.
Um estudo espanhol, realizado em 2015, identificou o vínculo materno-fetal como um precedente significativo de ligação pós-natal entre mãe e bebê. A presença da mãe, inclusive sua própria existência, suscita reações no bebê e, de forma recíproca, a presença e existência do bebê evocam reações na mãe. Devido ao vínculo inicial materno-fetal associado a aspectos emocionais gerados durante a gestação, que permitem que, após o nascimento, o bebê seja visto pela mãe como outro ser.
Em condições satisfatórias nas quais o vínculo mãe-bebê é preservado, sabe-se que a mãe se dispõe a um preparo singular para satisfazer às necessidades de seu filho por meio da preocupação materna primária. No entanto, a impossibilidade da mãe em oferecer seus cuidados ao bebê, durante o período em que ele permanece hospitalizado, interfere na sua autoestima. O estudo realizado no Rio Grande do Sul observou que as mães permaneciam ao lado da incubadora esperando qualquer reação do bebê em relação ao seu toque, sua voz e seu olhar.
No que tange à questão da espiritualidade, em uma pesquisa realizada em Natal (RN), que buscou compreender como mães de bebês prematuros percebem a relação entre saúde e espiritualidade, foram encontrados resultados semelhantes. A análise qualitativa dos relatos revelou predomínio em categorias, como Fé e esperança em Deus, Efeitos da oração e Benefícios da relação Saúde-Espiritualidade. Os pesquisadores observaram que, para as mães, acreditar na força de um ser transcendente (Deus) se mostrou como suporte para permanecer em um ambiente com alto nível de tensão como a UTIN.
Leia a segunda parte do artigo: Estudo avalia categorias de espiritualidade em mães de prematuros.
Leia o artigo científico: Estresse e espiritualidade de mães de bebês prematuros